“Isso seria verdade, se não houvesse juízes em Berlim!”. Conto: O Moleiro de Sans-Souci, por François Andrieux

A narrativa de Andrieux refere-se a acontecimento ocorrido no século XVIII, na Prússia do rei Frederico II, conhecimento como “o Grande” (Friedrich der Grosse), quando este decidiu edificar um palácio de verão na cidade de Potsdam, nas proximidades de Berlim, junto a uma colina onde existia, já há tempo, um moinho de vento, conhecido como o moinho de Sans-Souci, designação dada também ao novo palácio real.

Conta-se, ainda, que quando Frederico II resolveu ampliar o palácio, em virtude de o moinho estar impedido os trabalhos, o rei decidiu adquiri-lo, esbarrando, contudo, na inabalável recusa do moleiro, que invocou o fato de que tanto ele, quanto seu pai ali falecido, mas também os seus filhos, lá tiveram, tinham e teriam sua morada. À vista de tal obstinação, Frederico seguiu insistindo tendo chegado a sugerir ao moleiro, em tom de ameaça, que se assim quisesse poderia confiscar o moinho e as respectivas terras inclusive sem indenização, ao que o corajoso moleiro retrucou que isso não o demoveria e que ainda existiriam juízes em Berlim. Diante disso e da tenacidade do moleiro, Frederico II recuou e, mesmo tendo ampliado o palácio, respeitou os limites do moinho que até hoje se encontra no local.

Frederico II era um dos monarcas do século XVII, caracterizado como “déspota esclarecido”. O Imperador era um homem de letras, culto, grande colecionador de arte francesa, escritor com pretensões a filósofo e amigo de Voltaire, com quem mantinha correspondência. Muito afeiçoado à cultura francesa, escreveu suas memórias nessa língua.

Tendo mandado construir um palácio de verão em Potsdam, próximo a Berlim, escolheu a encosta de uma colina, onde já se elevava um moinho de vento, o Moinho de Sans-Souci (“sem preocupação”), nome que decidiu dar ao seu palácio.

Alguns anos após, tendo resolvido aumentar algumas alas do palácio, e precisando então avançar sobre o terreno onde se encontrava aquele antigo moinho decidiu comprá-lo.

Chamado o moleiro, o rei fez-lhe a proposta de comprar o moinho e a propriedade. O moleiro recusou, argumentando que não poderia vender a casa na qual seu pai havia falecido, que lhe deixara por testamento, e onde seus filhos nasceriam e se criariam.

O imperador então falando a linguagem da arrogância e da arbitrariedade insistiu na sua oferta acrescentando que, se quisesse, podia simplesmente tomar-lhe a propriedade. Coube então ao aldeão simples, com firmeza e dignidade dar a resposta que ficou registrada nos anais históricos da humanidade:

“Isso seria verdade, se não houvesse juízes em Berlim!”

Para o moleiro, a Justiça protegeria seu direito, pois não levaria em conta na sua decisão as diferenças sociais e de poder, mesmo em uma monarquia, mesmo num litígio em que um moleiro confrontava um imperador.

Sua corajosa resposta, que só chegamos a tomar conhecimento, em razão do recuo respeitoso do rei – déspota, mas esclarecido – passou a ser lembrada para demonstrar uma situação de respeito à liberdade e de confiança do cidadão na independência do judiciário.

O moinho, até hoje existe e, sempre que um juiz corajoso se posiciona com independência e justiça frente a uma arbitrariedade, a expressão “ainda existem juízes em Berlim” é usada para ilustrar situações em que o Judiciário deve limitar o poder absoluto dos governantes.