O país das crianças, por Fernando Schüler/Veja

 

 

“Eu tenho medo”, disse Bárbara, a youtuber, em uma audiência no Congresso, semana passada. Ela é a “dona de casa que virou ativista”, na onda digital. Diz o que pensa, com um toque de humor, e conseguiu uma incrível audiência. Sua história é a crônica do transe brasileiro. A comunicadora “desmonetizada”, “banida”, “investigada”, num jogo de gato e rato que jamais faria sentido em uma cultura minimamente liberal e democrática. O transe brasileiro vai além. Leio que a Justiça de São Paulo mandou banir um humorista, o Léo Lins. Mandou tirar seus vídeos e proibiu qualquer piada sobre “toda minoria ou grupo vulnerável”. Se isso vingar, já temos a nova “lei do humor” no país. Logo vamos precisar de fiscais da piada, para saber se alguém passou do ponto, ou de um “disk piada”, para denúncias anônimas sobre humoristas fora da lei. De minha parte, que passei a vida escutando piadas de gaúcho, agradeço. Só não sei se gaúcho merece ser protegido. Minha opinião é que não, mas prefiro não perguntar.

Tudo parece um exercício de nonsense, mas é o Brasil atual. De um país tropical, abençoado por Deus, terra de Jorge Ben Jor, Nelson Rodrigues e Bussunda, da irreverência, vamos aderindo a um calvinismo woke. Acho tudo isso curioso. A conversão do libertário em regulador. Curioso, mas não surpreendente. Quando os protestantes eram perseguidos, nos inícios da Reforma, Calvino, ele mesmo um líder reformador, mandou queimar Miguel Servet na fogueira. Isso tem história. Ao menos de originalidade não seremos acusados.

Agora temos esse caso do Telegram obrigado a “se humilhar”, como leio em um jornal, divulgando uma nota feita por um ministro do STF, após ter publicado sua inaceitável opinião sobre o PL das Fake News. Me lembrei dos rituais de “autocrítica”, comuns nos regimes de exceção, à esquerda e à direita, e me deu um certo medo. Sempre entendi uma democracia como um sistema feito de liberdade e confiança. É como dizia aquele incrível advogado no filme sobre o Larry Flynt (assistam): “A liberdade é uma magnífica maneira de viver, mas tem lá seu preço, que é tolerar, por aí, ideias que definitivamente detestamos”. Ideias, piadas, opiniões, “fatos”, visões políticas, não importa. O essencial é que a liberdade seja garantida como uma regra, na qual todos podem confiar, e não como uma concessão feita pela autoridade. Caso contrário, teremos não mais o “governo das leis”, mas o “governo dos homens”, e quem gosta de história sabe o que isso significa.

Leia mais em Veja