O herói esquecido, por Fernando Schüler/Veja

 

 

“O mundo se torna desolador”, dizia Heidegger, no início dos anos 50. “Uma nova guerra levaria a Europa a seu fim”, vaticinava o filósofo, inteiramente equivocado. O que se iniciava a desenhar, na verdade, era a União Europeia, quem sabe o maior feito do cosmopolitismo moderno. Heidegger foi o protótipo do pessimismo filosófico.

Há o pessimista tecnológico.

Um dos que mais faturaram com isso foi Jeremy Rifkin, com seu O Fim dos Empregos, nos anos 90, prevendo que em dez anos a jornada de trabalho iria para trinta horas, e que em mais duas décadas viveríamos os horrores do “desemprego estrutural”.

Hoje em dia anda em voga o pessimismo ambiental. Uma das figuras mais proeminentes é Gaya Herrington, acenando com um colapso civilizacional por volta de 2040. Como faltam apenas dezessete anos, acho que ela tomou um risco exagerado. É sempre bom dar uns quarenta ou cinquenta anos para prever algum tipo de apocalipse. Tempo para o pessoal esquecer, e, claro, vender um bocado de livros e palestras sobre o assunto.

Mesmo o inspirado Yuval Harari entrou na onda. Recentemente, escreveu um artigo no The Guardian começando com a frase-bomba. “A maioria dos empregos que existem hoje pode desaparecer dentro de décadas.” Perfeito, foi assim com os cocheiros, na virada para o século XX. Vale o mesmo para os cubeiros, limpadores de chaminés, datilógrafos e condutores de bigas, todos sumidos. Lá pelas tantas ele conclui: “Até 2050, uma nova classe de pessoas poderá surgir, a classe desocupada”.

Quando li aquilo, me lembrei da agricultura americana, que ocupava 40% da mão de obra do país, em 1900, hoje ocupa menos de 2% e a economia vive em pleno emprego. O que mais impressiona é a pergunta final de Harari: “O que esta classe de inúteis fará o dia todo”?. Ele parece desconhecer fatos prosaicos, como o declínio populacional nos países avançados, e parece sugerir que somos uma espécie de estúpidos. Que não criaremos novos negócios, obras de arte ou qualquer coisa melhor do que afundar como zumbis em jogos de realidade virtual, que segundo ele tomarão o lugar da religião.

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