UM PAÍS COM EXCELÊNCIAS E MORDOMIAS

A jornalista brasileira Cláudia Wallin vive na Suécia desde 2003. Sem dúvida alguma, seu livro “Um país sem Excelências e Mordomias”, mais do que uma análise em profundidade sobre a vida dos homens públicos daquele país é um trabalho que, depois de lido, obriga-nos a uma inevitável comparação com as mesmas pessoas que aqui no Brasil desempenham funções iguais.

E a oportunidade voltou com a notícia da revista “Crusoé” sobre mordomias e viagens de membros do nosso Poder Judiciário com patrocínio da Itaipu Binacional, onde gastos exagerados foram custeados pela empresa que gera energia para o nosso país e também ao Paraguai.

Em maio deste ano, o senador José Reguffe (filiado ao Podemos/BR, desde a última quarta-feira) criticou as despesas de R$ 1,6 bilhão com combustível, pedágio, manutenção, aluguel e locação de veículos do STF, além de outro pedido da Corte de R$ 1,134 milhão para compra de lagosta, camarão e vinho para recepções de ministros.

De Brasília damos um pulo imaginário instantâneo para Uppsala, cidade universitária a 70 quilômetros de Estocolmo, endereço do Supremo Tribunal da Suécia.

Todos os dias – narra Cláudia Vallin – Göran Lambertz, um dos 16 magistrados da Corte Suprema, põe seu paletó e gravata, monta na bicicleta e pedala 15 minutos até a estação ferroviária. Prende a bike no bicicletário público da estação, pega um trem e viaja 40 minutos até o trabalho. Cláudia foi entrevistá-lo em sua residência “surpreendentemente modesta” – uma casa com dois pisos, 60 metros quadrados em cada um. O magistrado, numa pequena cozinha, estava preparando o seu café matinal, bebido com uma fatia de bulle (um tipo de pão doce sueco). Com um salário máximo de 10 mil euros, um juiz da Corte Suprema da Suécia vive muito bem, no entendimento de Lambertz.

Nenhum membro do Poder Judiciário, Executivo e Legislativo tem direito a carro oficial com motorista, nem secretária particular. Sem auxílio moradia, todos pagam os custos de sua residência, assim como todos os membros da elite funcional do país. Também não existe na Suécia qualquer tipo de imunidade ou foro privilegiado. Benefícios extras?

Nem pensar nisto. “Liturgia do cargo” não depende de abonos, prêmios, verbas de representação, auxílios moradia, transporte, alimentação e saúde.

Cláudia conta que acompanhou o juiz Göran Lambertz filmando sua ida de bicicleta até a estação do trem e o cinegrafista fez o magistrado repetir quatro vezes as pedaladas pelo bosque nas cercanias de sua residência.

Ao chegar ao bicicletário, sem estar ofegante pela repetição das cenas gravadas, foi rapidamente embarcar no trem que estava rigorosamente no horário. “Não posso perder esse trem que saí agora”, disse, sem saber a letra do famoso samba de Adoniram Barbosa.

No Brasil, somente um cidadão comum não pode perder o seu trem que nunca sai na hora certa. No país que tem excelências e mordomias à vontade, nenhuma autoridade inquieta-se com o horário dos trens.

Por que tantas preocupações para nossas excelências se sempre haverá um carro oficial para transportá-los?