Igrejas evangélicas multiplicam templos e expandem influência política, por Bruno Caniato, José Benedito da Silva, Laísa Dall’Agnol/Veja
Às vésperas da votação da reforma tributária, a poderosa Frente Parlamentar Evangélica conseguiu uma importante vitória: incluiu no texto aprovado na Câmara uma emenda que garante a isenção de impostos, não só a “templos de qualquer culto”, como está previsto na Constituição, mas para todas as “associações beneficentes e assistenciais” ligadas às igrejas, o que pode abranger de casas de repouso a instituições de ensino. A inclusão foi negociada com o relator do projeto, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e teve o apoio do governo, por meio dos ministros Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) — os dois primeiros são fiéis da Igreja Batista, enquanto Padilha é da Metodista. O episódio mostrou, mais uma vez, a relevância política dos evangélicos, cuja força é a cada dia mais visível na vida social, seja nas ruas (com marchas que reúnem multidões em várias cidades do país), na cultura (a Globo tem a primeira protagonista evangélica em novela, com Vai na Fé), na internet (com personalidades que mobilizam milhões nas redes sociais e nas plataformas de música e vídeo) e na mídia tradicional, onde controlam vários veículos de rádio e TV.
Uma coisa é certa: não faltarão igrejas para serem beneficiadas por essas isenções tributárias acordadas em Brasília. Um levantamento minucioso e inédito, feito com base em registros de novos CNPJs na Receita Federal, mostra que a proliferação dos locais de culto evangélico nunca foi tão grande no Brasil. Entre 2010 e 2019, o número de novos templos praticamente dobrou em comparação com a década anterior, passando de 54 000 para mais de 100 000, segundo o estudo “Surgimento, trajetória e expansão das igrejas evangélicas no território brasileiro ao longo do último século”, do pesquisador Victor Araújo, do Centro de Estudos da Metrópole. Em 2019, foram abertos em média dezessete locais de culto por dia.
O ritmo não só impressiona, como aponta para a maior transformação social recente do país. Em 1940, quando o Brasil fez o seu primeiro Censo, os evangélicos eram apenas 2,7% da população. Em 2010, esse percentual já era de 22,2%, e a expectativa é que no Censo de 2022, cujos detalhamentos ainda serão divulgados, chegue a 30%. A projeção é que superem os católicos em 2032, o que era impensável para um país que teve uma missa na sua fundação e onde, até o advento da República, o catolicismo era a religião oficial, seguida por mais de 90% dos brasileiros. A expansão evangélica impulsionou todas as correntes (pentecostais, neopentecostais e missionárias), que se beneficiaram do declínio do catolicismo, que perde 1% de fiéis por ano, segundo o IBGE. De
acordo com a pesquisa Global Religion 2023, feita pelo instituto Ipsos em 26 países e concluída em maio, os evangélicos já são maioria entre os jovens (até 30 anos) no Brasil, com 30% da população, contra 26% dos católicos. Há basicamente três motivos a sustentar a expansão: a urbanização do país, a ausência do Estado em determinadas regiões e a maior agilidade em relação ao catolicismo. Para o cientista político Victor Araújo, da Universidade de Zurique, autor do estudo, o êxodo rural das últimas décadas explica boa parte do fenômeno. A escassez de paróquias nas franjas das grandes cidades incentivou muitos migrantes católicos a buscar outros espaços cristãos, que foram criados pelos evangélicos, que têm maior liberdade para abrir templos sem precisar se submeter a estruturas de comando centralizadas, como na Igreja Católica. “A descentralização facilita que as igrejas evangélicas se multipliquem e alcancem lugares aonde o catolicismo não chega, por ser uma estrutura muito hierarquizada e burocrática”, avalia. Da mesma maneira, os protestantes têm certa liberdade para adaptar seu discurso e incorporar elementos das comunidades, como o funk no Rio, ao passo que a liturgia católica não oferece a mesma flexibilidade, com missas padronizadas, orações
longas e cânticos monótonos.
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