O DRAMA INSTITUCIONAL DO CHILE

Para nós brasileiros fica difícil entender a atual situação chilena, porque sendo o Chile a economia mais desenvolvida da América Latina, como é possível, em poucos dias, o país andino entrar numa crise beirando uma ameaça às suas instituições democráticas?

Serão apenas as questões econômicas e a política liberal do presidente Sebastián Piñera as responsáveis pelos distúrbios nas principais cidades que já provocam prejuízos de centenas de milhões de dólares e acima de tudo vítimas (mortos, feridos e detidos), ou estão aflorando outras questões com raízes mais profundas na sociedade chilena?

Para o historiador italiano Loris Zanata, professor da Universidade de Bologna e especialista em América Latina, o Chile é uma democracia, um povo livre que protesta pacificamente batendo panelas, fazendo caminhadas pelas ruas e trocando de governo de diferentes matizes doutrinárias a cada quatro anos, mas está diante de manifestações inaceitáveis e vergonhosas.

Mas algo está mal, diz Zanatta.

Os protestos dos jovens são uma manifestação de alerta, “pois eles não desceram de Marte, mas vieram do subsolo chileno e são filhos do Chile de hoje”.

Então, entre tantos êxitos políticos, alguma coisa não está bem e caberia aos pais desses jovens um questionamento de si mesmos, analisa Zanatta. Não basta mostrar-lhes que a situação deles é a melhor de todos os países latino-americanos, nem que um jovem mexicano da mesma idade dos que protestam é refém dos cartéis de drogas; que um argentino acorda com sua poupança desvalorizada ou que um brasileiro pode ser assaltado quando regressa do trabalho.

Tais fatos não consolam o jovem chileno de hoje, já que suas frustrações e expectativas são as do contexto em que ele vive. À pergunta sobre o que não funciona na moderna sociedade chilena, todos responderão: a desigualdade.

Mas será apenas a desigualdade?

O historiador Loris Zanatta acredita que não se trata apenas de uma questão econômica, pois em países mais pobres que ainda reivindicam o acesso a bens primários seus problemas estariam resolvidos caso desfrutassem do que hoje o Chile já possui.

O Chile, mesmo sendo uma república liberal e sólida, ainda não tem uma sociedade liberal – ou se a tem é apenas em parte – apesar dos avanços dos últimos 30 anos. Existe, todavia, uma hierarquia social que conserva determinados estamentos, os quais em lugar do mérito e do trabalho privilegiam classes de origem: escolas privadas e escolas públicas, hospitais privados e hospitais públicos, bairros altos e baixos.

“As portas da elite continuam fechadas e com duas voltas na chave”, afirma Zanatta.

Será culpa apenas do liberalismo, ou do legado estamental com vinculações mais antigas e caseiras?

Para o historiador italiano, romper as barreiras sociais ainda existentes no Chile, com uma sociedade menos hierarquizada pode ser a melhor maneira de superar a crise atual e reparar as vitrines quebradas.